BeforeSpeak

Antes de falar, leia.

indivíduos forjados no “antigamente” cedendo ao “atualmente”

Eu queria saber, de verdade mesmo, quando que ocorreu a mudança de chave. Sim, houve uma mudança de chave, do tipo liga-desliga – a questão não é se houve, mas quando. Não houve uma alteração progressiva. Ou melhor, essa alteração progressiva até ocorreu, mas para as gerações mais novas. Foram moldando aos poucos o vocabulário, o comportamento, as crenças, os discursos, todo um imaginário coletivo. Mas a respeito das gerações anteriores, da minha, por exemplo, (1980-1990), não houve, ou melhor, não ocorreu tão intensamente.

Digo isso porque, apesar de discordar fortemente, eu consigo entender o motivo de muitos jovens possuírem as crenças, desejos, comportamentos e outras coisas mais que possuem. Na absoluta maioria das vezes eu consigo entender mesmo. Quando eu não consigo eu insisto bastante até entender, ou pelo menos chegar perto disso. Só um complemento, entender não é o mesmo que CONCORDAR – só para não passar batido.

Mas o que eu não entendo MESMO é aquele indivíduo, criado do jeito antigo (pelo menos levando em consideração os tempos atuais), que foi forjado no “pacote” – uma prática muito saudável em que amigos batiam em um dos amigos (batiam saudavelmente, é claro – sem a intenção de machucar, mas apenas de sacanear, mesmo que às vezes acontecessem algumas lesões), tanto pelos amigos de escola quanto entre amigos do bairro, que foi forjado muitas vezes sofrendo aquilo que atualmente chamam de bullying e que muitas vezes consertava isso na porrada e não com discursinhos ranhetas – e que não raro até resultava em amizade entre os “bullyinadores” e o “bullyinado”, forjado em correr descalço na brita, no asfalto quente, perdendo o tampão do dedão, um pedaço do dente ou até mesmo o dente inteiro, perdendo unha(s) com martelos ou outras ferramentas, forjado ralando os dedos ao descer de carrinho de lomba (agora existem até eventos que fazem competições de carrinhos de lomba cheios de “frufru” que movimentam uma cidade inteira e até patrocínio rola; claro, tudo muito seguro – nem isso se faz mais por prazer, mas apenas para ser reconhecido, para chamar a atenção ou então, no melhor dos casos, para rememorar exatamente o tempo em que todo esse comportamento frágil não teria vez).

Muitos dessa época gostavam muito de vídeo games, mas geralmente isso era deixado para um dia de chuva, isso quando não dava para aproveitar a chuva para jogar um futebol mais “hard”, vamos dizer assim, futebol esse que o maior desafio era fica em pé – hoje a galera paga para jogar futebol de sabão que nem dói quando cai, é bem macio (é… são outros tempos), até mesmo abaixo de granizo rolava esse futebol mais “hard”. Ou então se recorria ao vídeo game quando se estava doente ou em algum outro momento esporádico. Sim, muitos gostavam, mas suas vidas NÃO ERAM REGIDAS POR GAMES, quiçá por likes, pelo menos não os virtuais. O que chamava a atenção da gurizadinha era o cara, em alguma construção, pular de um lugar mais alto (ou de um muro qualquer) dando um mortal caindo em cima do monte de areia; era empinar de bicicleta um quarteirão inteiro; era saltar de bicicleta mais alto/mais longe do que os outros, usando as entradas de carros como rampa ou então usar até mesmo entulhos que algum vizinho tivesse colocado na rua; era andar de bicicleta de costas para a frente, sentado no guidom; era criar alguma estrovenga para se pendurar, para se catapultar, para atirar coisas nos outros, para explodir latas de azeite (sim, não existia óleo de girassol – pelo menos eu nunca tinha visto isso naquela época -, de soja ou de qualquer outra coisa que existe hoje, e sim, era em latas de metal, que também eram muito usadas para jogar taco), panelas velhas, tijolos, etc.

Era isso e muito mais que se fazia. E o que era feito para não apanhar (ou apanhar um pouco menos)? ESTUDÁVAMOS. Nossa OBRIGAÇÃO era tirar notas boas (no meu caso notas boas não eram apenas as notas acima da média, pois a média em uma das escolas onde estudei era 7,00 e nas outras era 6,00, se não me engano; notas boas eram acima de 8,00 ou 9,00 – sim, era QUANTIFICADO “DECIMALMENTE” o desempenho do aluno). Acha um absurdo? Nunca achei. Por mais chato que eu achasse algumas vezes, já na época eu sabia que aquilo ali era minha OBRIGAÇÃO. Aliás, atualmente muitos jovens parecem nem saber o que significa “obrigação”, mas todos sabem alegar opressão, misoginia, homofobia, bullying, preconceito e etc. E, mesmo que não saibam o conceito, se pedir para escrever isso, é capaz de sair algo como “obrigassão”.

No início eu falei que houve uma mudança de chave. Disse isso porque além da galera dessa geração mais nova, que veio com o tempo engolindo as mudanças empurradas goela abaixo sem digerir ou nem mesmo saber do que se tratava aquilo que estava engolindo, eu vejo também alguns exemplares das gerações anteriores (muito mais do que uma quantidade saudável), até mesmo de gerações anteriores à minha, aderindo a todo o invólucro das novas gerações: vocabulário, comportamento, discursos, anseios, mas também ao modo ignorante de escrever errado. E nem falo de regras que pedem um pouco mais de empenho ou atenção, como crase, hífen ou outras coisas desse tipo, mas coisas simples – NINGUÉM MAIS SABE ESCREVER!

Agora, ao escrever, em nome da inclusão ou da tolerância ou do não-preconceito linguístico, tudo é permitido, pois não se pode repreender/corrigir o aluno e nem mesmo se roda até o segundo ano, o que faz com que as crianças só se importem em não rodar do terceiro ano em diante, após muitas já terem se corrompido com a ideia de que “não dá nada” não estudar. O problema disso é que aquilo que era chamado, muitas vezes pejorativamente, de “decoreba” e que era um exercício FUNDAMENTAL na assimilação de um conteúdo que ainda não se tem maturidade para discernir simplesmente não existe mais. Ou melhor, um fenômeno que NÃO É ESTUDADO na pedagogia, que é o “imprinting” [1], era instintivamente utilizado antigamente por professoras formadas no magistério. Esse fenômeno é estudado na etologia e explica não apenas o comportamento animal, mas também pode explicar como a sua mãe ou a sua avó responde uma questão de tabuada quase que de bate – pronto enquanto o inteligentinho fica tentando achar o resultado até que desiste e pega o celular para fazer a conta; nota caso delas, está na ponta da língua, ainda hoje.

É sério. Quando que mudaram essa chave e o pessoal que aprendeu a escrever corretamente começou a escrever tudo errado? Quando, meu Deus, começaram permitir ou a incentivar a escrita de um verbo (uma ação) sem o “R” no final, parecendo que o verbo está sendo conjugado na primeira pessoa do presente do indicativo? “Começaram a permitir” passou a ser escrito “começaram a permiti”. “Ain, MAIS* é apenas um pequeno detalhe” vai dizer o abobado que também escreve assim ou que erra de outras formas e que não se preocupa em aprender, mas sim em tentar desqualificar aquele que o corrige.

Exatamente esse “tipo moderno de escrita” até já me ocasionou uma falha de comunicação, falha essa que usei para escrever o artigo “saber ler e escrever é indispensável para a comunicação” [2], e é exatamente isso que o promove essa disparidade entre quem sabe escrever/ler/falar e quem não sabe: no melhor dos casos se tem uma comunicação com ruído, onde um fala uma coisa e o outro não entende direito; no pior, se tem uma comunicação onde um fala uma coisa e o outro entende ou coisa completamente alheia ou completamente o contrário.

É erro ao usar uma conjunção adversativa que, apesar do nome poder assustar alguns, não é uma coisa complicada: “meu carro está estragado, MAIS eu vou dar um jeito de ir” (*como usei mais acima no exemplo do reclamão ignorante); é erro SIMPLES de acentuação em diminutivos: é “chÁzinho”, é “cafÉzinho”, é “vovÓzinha”, é “pÉzinho” (peça para alguém que realmente SABE ler, ler em voz alta essas palavras que estão erradamente acentuadas para ver que coisa ridícula); é “há” (de haver) sem o “h”; é uma enormidade de erros simples que no conjunto torna quase impossível uma comunicação sem ruídos, correta e que dê para entender em sua completude.

Quando é o leitor que possui esse déficit, ele deixa de entender as figuras de linguagem, as nuances, e, por isso mesmo, deixa escapar o sentido completo/exato daquilo que leu; quando é quem escreve que possui tal déficit, certamente ele não vai conseguir expressar com completude ou com exatidão a sua ideia, o que vai demandar de um trabalho ainda maior por parte daquele leitor bem capacitado e que, não obstante sua capacidade, ainda assim pode acontecer de não ser possível afirmar com certeza o que foi dito no texto.

Mas o mais recente que notei é um negócio tão absurdo que não parece erro, parece piada e de muito mau gosto – sabe aqueles humoristas que não possuem a mínima graça e que tentam forçar uma risada usando o português esdruxulamente errado? É isso a que me refiro.

Me refiro a um erro simples de conjugação de verbo que, pelo jeito, anda na moda. Ao conjugar o verbo “VIR”, a galera anda juntando a terceira pessoa do pretérito perfeito com a primeira pessoa do presente do subjuntivo. Sei que para muitos eu mais compliquei do que expliquei, mas achar isso complicado ou então não entender absolutamente nada do que falei já é o suficiente para comprovar o que estou falando, da incompetência em aprender. O que eu disse é que a galera anda falando e ESCREVENDO “ele VENHO de carro”, por exemplo, (MEU DEUS DO CÉU!!!!), o que é um erro absurdo de concordância verbal. Outro erro desse tipo é escrever “ele consegui” ao invés de “ele consegue”.

Erros de concordância nominal são mais sutis, mas, provavelmente por isso mesmo, são os que mais vejo acontecerem. Lembrei desse tipo exatamente no momento em que li uma solicitação de um usuário: “solicito que seja alterado a estrutura…”. Caso não tenha encontrado o erro, estude, estude e ESTUDE!!! Mas estude para saber, estude para entender, estude para a vida e não apenas para uma prova, para um teste ou algo do tipo. O correto deveria ser “solicito que seja alteradA a estrutura…”. Um detalhe: esse erro em particular foi protagonizado por um profissional muito bem qualificado em sua área e que passou por diversas seleções, algumas especializações e aperfeiçoamentos e constantes reciclagens técnicas – para ver como andam as coisas. Outro erro desses (e muitos mais outros) eu encontrei em uma postagem de uma escola da minha cidade. O post foi escrito, no mínimo, por uma professora e esta estava falando sobre uma infestação de carrapato, mas estava se referindo aos carrapatos como insetos (esse era o erro mais irrelevante). No post de poucas linhas saltavam aos olhos inúmeros erros que se tornavam mais graves à medida que se lembrava que tratava-se do perfil de uma escola e que muito provavelmente havia sido um (a) professor (a) que havia COMETIDO tal post.

Quando se vem entortando o indivíduo desde a mais tenra idade, até dá para entender que o condicionamento tenha o resultado esperado, mas depois de “nego véio”, como dizem, o indivíduo mudar completamente eu sinceramente não consigo entender. E não é mudar para melhor, ficando mais resistente a qualquer coisa, ou ficando mais inteligente, enxergando algo de uma forma mais ampla, enxergando mais a complexidade das coisas, mas ao contrário, e junto com isso, para ser íntegra – uma integridade na degeneração psicológica, intelectual e cognitiva – tal mudança, vem também o emburrecimento na escrita/leitura. O que anda acontecendo não é como uma vacina pela qual injetam uma quantidade ínfima de um vírus para que os anticorpos se familiarizem e consigam combater o vírus quando ele aparecer em seu estado “normal”, mas sim como um câncer que, aos poucos, vai tomando conta e minando todo o organismo.

Para dar certo um condicionamento desses o indivíduo “nego véio” tem que fazer força para esquecer o que um dia aprendeu, tem que fazer força para negar sua identidade, sua personalidade e, em função disso, a sua história – tudo aquilo que tu passou e te fortaleceu, que te fez mais resistente, mais resiliente, mais casca grossa, mais inteligente, tudo aquilo que somou na tua vida para te tornar a pessoa que tu é tem que ser deixado para trás em função de um novo corpo de ideias e crenças que acabam por fazer de ti uma nova pessoa, mais fraca, mais frágil, mais bosta mesmo. Todo aquele amadurecimento, que poderia ser descrito como tudo aquilo que tu superou e reabsorveu, como disse Caio Perozzo na palestra “O amadurecimento através da literatura” [3], é simplesmente deixado de lado em nome da promoção ou da sustentação de um ressentimento. Se isso não é o pior caso de corrupção então eu não sei qual seria, pois, a partir desse, todos os outros são consequência, já sem esse tipo de corrupção os outros nem se criam.

Mas daí que vem a principal pergunta sobre isso tudo: como pode ser culpa do acaso a disseminação de erros de português praticamente padronizados ao mesmo tempo em que há aquela padronização que mencionei no início, de crenças, comportamentos, vocabulário e etc., juntamente com a disseminação da completa falta de interesse em se auto educar ao mesmo tempo em que se exige exatamente isso por parte do Estado, como se alguém possuísse o poder de deixar inteligente aquele que não possui interesse e nem se esmera nisso, mas que apenas pede por isso?

Isso não tem a menor chance de ser algo acidental ou, menos ainda, algo natural. Simplesmente NÃO É NATURAL a ignorância sobrepujar a inteligência; não é normal a idiotice ser superior à astúcia; não é normal a fraqueza se sobressair à robustez. Essas inversões só acontecem muito artificialmente, NUNCA naturalmente. Ou melhor, elas acontecem apenas quando o ignorante, o idiota e/ou o fraco, exatamente por possuir essas características e não conseguir notar o que acontece, estão a serviço de alguém que seja bem mais inteligente, esperto e forte, mesmo que não saibam disso.

OU melhor, a ignorância, seja ela interna ou externamente forçada (no primeiro caso, uma ativa submissão em função de vontade de adequação a um determinado meio; no segundo, uma exigência imposta por terceiros que é acatada passivamente), juntamente com a aquela afetação que é muito comum em gente que se deixa ser dominada por aquele corpo de ideias que fragiliza inclusive alguns que já foram sãos, é o crachá que identifica todos aqueles que se dizem pensantes pela própria cabeça, mas que seguem à risca a agenda de estupidificação, que é implementada em escala global.

Essa deterioração psíquica e intelectual a qual as gerações mais recentes são vítimas indefesas é a mesma que contamina aqueles indivíduos forjados no “antigamente”, mas que estão ativamente baixando suas defesas para tal perigo. Gente assim nem parece gente de verdade, pois acaba por adquirir a integridade, a consistência e a força semelhante a um boneco de papelão.

[1] fenômeno “imprinting”

[2] Saber ler e escrever é indispensável para a comunicação

[3] O amadurecimento através da literatura 

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